Diários Noturnos

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9 de janeiro de 2015

Página arrancada do diário

14 de Dezembro de 2013.


Acordei com você. Data estranha. Passou um ano quase inteiro e parece que fiquei a me encarar no espelho enquanto o reflexo da vida cinematograficamente mudava o cenário que preenchia o ar por detrás das minhas costas. Uma solidão ensimesmada que acordava apressada todas as manhãs, maquiava-se belamente, recebia olhares - intocáveis -, estudava e trabalhava de se reinventar em papéis tantos - e tortos - onde o sorriso que esmaga as minhas bochechas, salientando-as, era o único lugar-comum do travestido cotidiano. Nunca deixo de sorrir, pois, já aprendi isto profundamente, sou esperançada e me espanto com esta vida grande e impossível. 

Sempre que me despeço de você cai uma lágrima do meu sorriso; as minhas íris caem na ansiedade negra das pupilas. Olhos que se tornam intocáveis e distantes. Não são intocáveis os outros olhos. Eu que, de tão pura, me afasto dos olhares. 

Ontem, quando andávamos intranquilos pela noite dilatada, você me disse que na época medieval quem frequentava as ruas durante a alta noite eram somente os santos ou os loucos. E ontem éramos nós, loucos e santos, num mundo que pelo exagero globalizado se fez medieval. Andávamos solitários, pisando medrosamente nas pupilas do mistério noturno. Toda pureza santificada é uma espécie de loucura, não é? De repente o espelho vira o cinema que antes rodava no ar por detrás das minhas costas. Ponho os olhos a fitar o ângulo mais alto que alcanço com a dimensão calculadamente delineada por um Deus santo-insano de meu corpo e toco o impossível que sou eu.

Acordo cansada quando durmo com você. Confusa que fico se estou já desperta ou se ainda sonho. Cante para mim, por favor, Strawberry fields forever? Venero religiosamente, como uma louca, a tua voz aveludada. Estou na realidade, contudo, cante cante cante até que eu caia nas profundezas do umbigo inconsciente. Living is easy with eyes closed.

I'll send all my loving to you,

R.

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'O ar está tão carregado de espíritos que não sabemos como lhes escapar.'(Goethe in Fausto)

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