Diários Noturnos

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29 de maio de 2015

A TRAVESSIA POÉTICA DOS MEUS PONTEIROS


Procurando vestígios de meu passado em São Paulo, encontrei um disc recordable com uma playlist de músicas que eu mesma gravei em algum dia entre os anos de 2008 e 2010. Época em que eu cursava o início do curso de psicologia na PUC-SP. Coloquei o cd-r para tocar enquanto me preparava para fazer um banho de brilho nos cabelos. A primeira música que tocou foi Black Horses, de uma banda indie dos anos 90, fundada na cidade de Chicago, que se chama Gastr del Sol. Não me recordava dessa banda, muito menos do caminho percorrido internet a fora para então tomar conhecimento dela. Todavia, a música me soou extremamente íntima. Senti uma pressa de ocupar o espaço da casa quando ela começou a tocar. A cena se fez duchampiana: um aparelho de som philips portátil em cima de um bidê antigo. Estava sozinha em casa e abusei do alcance do volume do toca-cds. Com minha mania de registro, apegada que sou ao que vivo, pensei em fotografar a composição de como sobrepus os objetos: o som saindo do aparelho em cima de um sanitário ultrapassado. A câmera do celular estava no modo vídeo. De susto em surpresa, cliquei no play da câmera e no play no som. Bateu uma súbita vontade de sair dançando a música pela casa e o fiz, gravando os detalhes da arquitetura do cotidiano na tarde ociosa de uma terça-feira. Não fiz planejamento algum da captura, segui um brainstorming dos movimentos do corpo. Après-coup, ao rever a filmagem na música, fiquei feliz com um detalhe: consegui eternizar a cena de uma senhorinha gorda, com a coluna torta pela idade, em seu terraço. Essa figura sempre me trouxe a lembrança de uma circunstância medieval. Enquanto trabalhava no fim da minha dissertação de mestrado, longa estrada de horas e horas a fio em que eu me plantava na escrivaninha do meu quarto, que fica em frente à janela, de quando em vez ela aparecia para pendurar roupas no varal ou para regar suas plantas. Era engraçado observar vouyeristicamente essa velha em seus afazeres tranquilos e lentos no mesmo instante em que, a uns cincos prédios de distância, homens de capacete amarelo construíam outro concreto empilhado para arranhar o céu. Talvez não seja possível que olhos desavisados avistem a senhorinha. Ela aparece quando filmo o abrir da janela e enquadro a câmera para o lado esquerdo. A velha senhorinha, no vídeo, é uma coisinha torta e delicada vestida de branco, posicionada ao lado de uma escada reta de metal. Tenho alguma semelhança com essa personagem medievalesca: no dinamismo da era moderna em que estou temporalmente espacializada, me atenho aos contrastes do novo com o antigo e beiro ao exagero da dramaticidade. Nem sei se chego a ter vestígios de mim, pois, sinto que sou o tempo inteiro a atualidade do meu passado. Os ponteiros do meu relógio não marcam números: eles escrevem letras.

Link para o vídeo: 
http://rebeccaloise.tumblr.com/post/120034196379/composicao-video-texto-a-travessia-poetica-dos


Apartamento 830, 26-27 de Maio de 2015.

O percurso do vir a ser uma mestra acadêmica

Escreve, sofre, esvazia-se, mil e uma ideias lamparinas, lê até aumentar o grau da miopia, vive menos, reclama mais, aprende, pulmões feito balão de gás, escreve o primeiro parágrafo, confunde o semáforo, escreve a terceira palavra do segundo parágrafo, já não namora mais e muda de emprego, fala, comenta e cita trechos, autor, ano e o número da página, tem frio na barriga e mãos suadas, emite opinião, conquista amigas-irmãs, tem crises de riso e de dúvidas, depois chora toda uma chuva, pega o ônibus, e, por estar atrasada, consegue chegar no seu tempo singular.

Apartamento 830, 17 de Maio de 2015.

13 de maio de 2015

Epistemólogos do Pathos pós-moderno revelam

Teu cérebro
vai ao encontro
de teu coração 
e diz:
"você tem 
uma decisão
a fazer!"


Segundos depois,
o cérebro liquidifica
a seguinte 

indigesta notícia:

"Epistemólogos do Pathos
pós-moderno
revelam que 
os indecisos 
têm três corações."


Quando dei por mim,
sentindo os ecos neuronais,
um de meus corações
quis sair pela boca.

Fui parar na varanda,
segurando, em uma mão,
a xícara de café,
e, na outra,
um cigarro.

Passados cinquenta anos,
morri por causa
de uma unha encravada.

mEDO dO tEMPO pASSAR


se
eu
deixar
de 
lembrar
do
teu 
cheiro,
timbre
de
voz,
da
tua
pele
quente
de
tons
morenos,
do
teu
pau
enrijecido
e
vermelho,
de
você
cantando
i can’t get no satisfaction?
e
se
eu
me
esquecer
dos 
tempos
que
nada
me
satisfazia,
mas
tudo
me
desfazia
num
golpe
de
haraquiri?
(guardo comigo aquele canivete com um corpo de sereia tatuado. 
ela segura um sol com as mãos e eu queimo com o sal da idade nos olhos)
a
saudade
te
inscreve
neste
cenário
outonal
e
eu
escrevo
sobre
o
medo
do
tempo
passar.
ele passou
e
me
assou
entre
as
pernas.
não quero o velho, 
assim, 
assado.
guardo tudo como se fosse novo.
contudo, assim,
contida,
já não há mais espaço.
abrirei
um
caminho
quente
entre
o
ventre.
meu
filho
agora
se
chamará
futuro.
basta de orfandade!
o tempo
pode
não
ter
idade,
muito
menos,
ou
quase
nada de,
saudade.


Quem (sol) eu:

Minha foto
'O ar está tão carregado de espíritos que não sabemos como lhes escapar.'(Goethe in Fausto)

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