uma hora para mim não dura nem trinta minutos
sinto o tempo correr nas bordas de meu corpo
como quem permanece
doando as próprias mãos
às gotas da chuva
um alguém que pode ser
confundido por estátua de praça
faz uma matemática
incalculável de tempo
que as nuvens
embebedam-se
promíscuas
de água ardente da chuva
e aqui nem é fim de mundo europeu
para tanta falta de sol
nem abrindo janelas
o ar podia ser respirado
os azulejos do banheiro
suavam aflitos,
quase gritavam:
- Transfomai-vos,
vós que sois gotas gélidas,
em vapor barato!
agora pergunto a ti:
quem mais, numa casa
abandonada,
tem ouvidos para escutar
gotas?
quem escuta o que não tem voz
gasta mais tempo para caber em cotidianos
aspiro saber toda ciência positivista
os quais, como, poréns
os dois lados adversários
e a possibilidade feliz da comunhão
de saberes
mas me negativizo inteira
diante do enorme nada
que mora nas coisas
me pediram para ver
beija-flor no lugar de teia de aranha
nem que eu nascesse outra
confundiria um beija-flor com a estética
desamparada de uma teia de aranha
não queira interpretar
nem contrapor sintoma com símbolo
a beleza não existe se não há olhar
que se doutrine,
por livre e espontânea sensibilidade,
a vê-la
como Cecília,
fora do mundo e calada,
como Adélia,
com a bíblia entre as pernas,
eu estou antes do nome
o que não tem nem nome
é impossível ser objetivado
com delicadeza,
permito que me chame de Coisinha
a única maravilha
que preenche
as células do meu tempo
é esse empilhar de palavras
meu corpo se emociona
como se estivesse num palco
três luzes cênicas
cor amarela
focando a silhueta,
mas todas as cadeiras da plateia
vazias
não escrevo poemas
à luz do olho alheio
seria algo pornográfico
pois fico essencialmente nua
fecho, paranoica,
até a porta
e as janelas
que dão para o externo
segura, pacífica
dentro deste espaço
protegido com fantasias
meus pés até formigam
para que tenhas uma breve imaginação
da natureza que há
nisto que faço: formigas,
um tipo de animal tão pequeno,
nos meus pés
- sem que eu sinta sequer a dor das picadas
ah! contudo, dor mais real bate
às cinco horas da tarde
na cidade
nem precisa ser São Paulo
dezessete horas
pesa mais que uma
bigorna nos ombros
falando nisso,
preciso de atividade física
e de rotina como quem
precisa de medicamento
para suar a poesia que mora em mim
pelos poros dentro e aplicada
à pontualidade
da vida burocrática
com delicadeza e discrição,
pode me chamar de Coisinha.
ninguém pode saber
que esta poesia tem autoria.
prefiro poesia não assinada
para que a minha verdadeira face
não morra assassinada
algumas utopias
me alimentam
mais que a marmita
do meio-dia
toma este bilhete:
já são 17:17
Da sua eterna,
Coisinha.
Diários Noturnos
1 de junho de 2016
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Quem (sol) eu:
- Rebecca Loise
- 'O ar está tão carregado de espíritos que não sabemos como lhes escapar.'(Goethe in Fausto)
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