Diários Noturnos
20 de dezembro de 2011
De A a Z
3 de setembro de 2011
Asterisco histérico
Dicionário Imaginário (acting out)
Quero fazer um exercício mental. Por correr o risco de todo o processo cair labirinticamente no poço do limbo, pus o pensamento em coleira. Afinal, palavra escrita é o que me incrimina. Sejamos amorais por lógica literária. Cometer o crime, por via de regra sublimatória, é o salvamento heróico em carne. Corda no pescoço, batalha-naval, inquisição, apedrejamento, asas de bigorna ou suicídio. Eu preciso de um resultado. Me engajar neste registro me salva do eu pelo ato de materializar o que antes se assemelhava a uma gelatina cagada ou bílis regurgitada. Me propus a seguinte tarefa: significar a palavra des.con.fi.ar sem atrever a curiosidade em qualquer outro dicionário que não seja este que carrego subjetivamente em profundeza sanguínea. Imaginei um cavalo negro num galope escandaloso. Todos os seus músculos de ferro delineados sob a túnica de pêlos que reluzem a velocidade na medida em que o sol fisga o seu desbravamento corajoso. Ui. A esperança cravou os dentes na minha elaboração teórica. A cena do cavalo negro é um contra-argumento pois veste em símbolo o que seria con.fi.ar. Des.con.fi.ar seria a violência humana de interferir nesta liberdade animalesca com esporas metálicas & chicote encouraçado. Desconfiar é limitar a entrega. É um abraço de mãos amputadas. Um abraço com olhos em direção transversal por cima do ombro alheio ao invés de contemplarem a escuridão do corredor da retina. Desconfiar é estar nu com um canivete enfiado no cu. É engatinhar sorrateiramente vestindo sapatos de salto alto.
_________
A Azeitona (passagem ao ato)
Sabes o motivo de uma azeitona ter caroço, lobo mau? É para travar o caminho interno do teu pescoço te fazendo desengasgar as vogais da frase que a tua desconfiança engoliu:
_ _ t_ _m_.
T. M. Teoria (da) morte. Tesouro malevolente. Travessia melindrosa. Trauma (de) mulher.
Desconfiar atrofia o amor, Lobo Mau. Estenda-me tuas mãos. Aceita esta azeitona.*
-- Eu te amo, desengasgou o Lobo. E galoparam o amor.
*Azeite este aceitamento.
19 de março de 2011
Incêndio
Dedilho o vestido do calcanhar, passando pelos joelhos arranhados de - oh senhor! - tanta queda, prejuízo & deslize, tocando c’os dedos as minhas coxas, unindo todo o tecido na palma da vagina, até envolver, por fim, o desequilíbrio da cintura. Queimo, ao franzir a testa em piedade à coragem, o cigarro no umbigo. Defloro os lábios num gozo torpe para rasgar a minha individualidade exagerada.
Te repito que procures por mim somente se, como uma febre num doente terminal, supores a tua cura na minha saliva de gelo. Do contrário, nega quaisquer que sejam as vírgulas que, como recém-nascidos, chorarem a minha prosa para alimentar a tua mentira tão argumentada. Não consigo alcançar em imaginação o momento em que deixará de ser o advogado do diabo. Vendi a minh’alma sem ao menos perceber a negociação. Doei meu sêmen de mulher na ingenuidade tosca de fantasiar o útero do amor em ti. Tu és um vento pervertido que assopra os vãos de pernas femininas. Eu sou a queima da feminilidade. Eu sou o incêndio, a fumaça, as cinzas. Atenta para o fato de que há em mim a concatenação de fenômenos, há em mim um clímax. Em ti, coisa de asas, não há começo, não há meio, não há fim. Tu és morno. Para de assoprar e me escuta, qu’eu vou te revelar: Para de destelhar e me contempla, qu’eu vou te contar: Para de confundir as marés e me fisga, qu’eu vou te declarar: Para de assoviar e me repara, qu’eu vou te escancarar:
Todo romance clássico é conduzido por uma linearidade de capítulos. Todo quadro de museu foi antes pincel, tinta e movimento de mãos. Toda criança foi orgasmo, trinta & tantas semanas in ventre e choro.
Tu precisas fincar teus pés, oh vento indomável. (os vestígios da tua dança são os meus olhos empoeirados) Tu necessitas estancar p’eu te tocar. (a tua existência aérea amputa os meus pulmões) Tu deves sofrer a alquimia da humanidade e então sangrar pr’eu te lamber. (teus assovios silenciam o corredor da minha língua) Tu precisas te transformar em troço sólido para que eu nutra o oco do estômago. (tua ousadia, tua efemeridade, tua imunidade guardam em cárcere o meu romantismo) Te grito! Sejas carne pr’eu te nomear:
-- Meu Homem.
Quem (sol) eu:
- Rebecca Loise
- 'O ar está tão carregado de espíritos que não sabemos como lhes escapar.'(Goethe in Fausto)