Diários Noturnos

Diários Noturnos

29 de abril de 2010

Demanda sem intento

A começar pelos meus pés descalços para casar à minha nudez, pela noite que passei em claro na tentativa de esconder qualquer vestígio teu do meu quarto, pelas horas maquinadas em feitos gratuitos para não recordar a falta da tua respiração despreocupada, pela pressa dos passos para o sem rumo que é toda a minha vida, pelos piedosos cigarros chupados com fúria, pelos meus ruivos despenteados para não desenovelar o teu suor dos fios, pelo sax tenor do Coltrane cuja importância deve-se à incorporação de um silêncio que eu sei de cor, pela água do chuveiro despencando no dorso das minhas costas querendo ser a última tempestade e até pelo vermelho do batom que não descansei dos lábios. Tu percebes o preparo para que cada detalhe de mim não chorasse a tua ausência?
Tencionei na pele uma leveza quando ao estender as cortinas já fazia um sol sem a tutela das minhas causas soníferas. Enquanto eu resolvia acontecer, o mundo já lamentava mais da metade da vida de um dia. E eu me sentia lucrando a liberdade de retardar a minha existência. O meu rebelde costume de pôr em vigor uma sobrevivência andrógina. Pois há sempre um desejo que folga a alma e aquele habitual desejo que tem a gênese da impossibilidade: esboço um grito e esvai-se uma canção, faço enchente de gozo no lençol e o líquido dos olhos ensopa os poros da face, sirvo delicadamente o copo de vinho a ti e termino por quebrá-lo justamente (& inescrupulosamente) sobre a tua genitália. Então, o substantivo androginia pelo caráter indefinido que o significado suscita e em que a libido se explica.
Escuta! Quem mergulha em oceano profundo quer invalidar os pulmões ou encorajar o corpo que circunscreve a alma? Não quero cair em misticismo. Longe de mim. A questão é que andam enfiando a razão onde não cabe. E a legislação humana ainda não considera isso crime. Pois é, é de desacreditar. Tantas unhas minhas quebradas por arranhar desesperada a terra vermelha, almejando o núcleo vulcânico e na-da. A solução é denominada Nenhuma para a Confusão de questões. Como combinam o oxigênio necessário em vicissitudes?
Agora me volto novamente a ti. Tua cabeça deitou morna sobre o meu seio por um durante gigante e tu não notaste que eu prendia esse infinito de vida no cubículo dos meus pulmões fumantes. Talvez o volume da vitrola estivesse mesmo alto, roubando-te toda a audição & outras sensibilidades. O que eu não acredito. É que, vejas bem, é extremamente complicado o fato de eu ter sacado que os dois corpos, o meu e o teu, que tomavam a dimensão da minha cama eram, na verdade, dois corpos que tomavam a dimensão de uma cama; sem subjetividade alguma. Por todos os acasos equivalentes em nosso modo de ser e de lidar com o que somos, a tua mão direita nem tentou encaixar-se à minha esquerda. Tu achas que eu possa ser descomedida? Revertendo a lei da física por um apelo cuidadoso? Ou pensas apenas que o romantismo ficou em outra linha do tempo? E que estou sendo trivial na exageração do amor? Não, não é sobre amor. É mais simples que isso. Por gentileza minha, atentar-me-ei em poupar teu intelecto. Quero dissertar sobre as implicações de um mesmo vento. Ao passo que em mim esse sopro natural destelhou cidades, em ti funcionou como uma brisa excitante. Será que tu já embebedaste uma dor notoriamente incurável? De quebrar tijolos e joelhos, de amanhecer sem reflexo no espelho?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quem (sol) eu:

Minha foto
'O ar está tão carregado de espíritos que não sabemos como lhes escapar.'(Goethe in Fausto)

Seguidores